Especialistas defendem que ressocialização de adolescentes infratores passa por investimentos sociais
O trabalho
prático, no dia a dia, voltado à recuperação e ressocialização de
adolescentes infratores demonstra que vale a pena fazer o investimento
social. Essa é a opinião de Thereza Portes, coordenadora do Instituto
Undió Arte e Educação, que há 30 anos desenvolve ações ligadas às artes
com jovens de bairros carentes de Belo Horizonte (MG), inclusive alguns
que cumprem medida socioeducativa. Para ela, os adolescentes que se
envolvem com atos ilícitos, na maioria das vezes, refletem uma realidade
de exclusão, desigualdade e omissão do Estado e da família.
"A gente se solidariza com famílias que perdem entes
queridos, sabemos que, no lugar delas, talvez também tivéssemos a
urgência de fazer algo para punir, com o maior vigor possível, quem nos
causou tanta dor, mas o que temos visto no dia a dia, conhecendo alguns
jovens nessa situação, é a enorme vulnerabilidade a que estão
submetidos", disse. Thereza Portes defende que, se as lacunas na
garantia de direito não fossem tão grandes, muitos casos de violência
praticados por essa parcela da população seriam evitados.
"A gente percebe que quando eles têm uma oportunidade
real, com possibilidade de ressignificar sua vida, agarram-se a ela. Não
apenas os adolescentes infratores, mas também aqueles que, mesmo não
estando em conflito com a lei, não têm sonhos, perspectivas de ir além",
ressaltou. Posição semelhante defende Joci Aguiar, coordenadora-geral
da Rede Acreana de Homens e Mulheres, que desenvolve ações de promoção
de trabalho, renda e direitos com foco também em adolescentes.
Ela admite que a proteção garantida pela legislação a
menores de 18 anos, que têm sistema de punição diferenciado do voltado a
adultos, acaba sendo utilizada por facções criminosas que
"contratam" esses jovens para praticarem os delitos. Para ela, no
entanto, com a redução da maioridade penal há o risco de se diminuir, na
mesma medida, a idade em que ocorre esse recrutamento.
"Foi mesmo uma barbaridade a morte daquele jovem
recentemente em São Paulo (Victor Hugo Deppman, 19 anos) por um
adolescente que certamente estava se valendo do fato de estar protegido
pela lei. Reduzir a maioridade penal, no entanto, não resolve o problema
da violência associada aos menores de 18 anos, pelo contrário, pode até
aumentar porque as facções vão utilizar cada vez mais crianças de menos
idade e contratar meninos de 11, 10, 9 anos", alertou.
Ela acredita que resgatar a cidadania de adolescentes,
principalmente dos que vivem em comunidades de baixa renda com presença
mais forte da criminalidade, é o caminho para resultados mais efetivos.
"Muitos desses jovens entram para o crime motivados pela emoção,
atraídos pela renda, já que são pagos para isso, ou então porque já são
usuários de drogas, dependentes químicos. Por isso, é preciso haver um
investimento forte em ações anteriores a esse processo, que lhes permita
visualizar um futuro diferente, com capacitação, geração de renda e oportunidades reais de inserção no mercado de trabalho", defendeu.
"Essa, na minha opinião, é a melhor forma de
conseguirmos resultados concretos, fazendo com que eles se percebam
cidadãos de fato e contribuindo para que exerçam seu direito
corretamente", acrescentou. Lucinha Machado, coordenadora do projeto
Cultivação, que inclui ações de capacitação básica e profissionalizante
voltadas para crianças e jovens em situação de desvantagem educacional e
social em Mato Grosso, acredita na promoção de direitos como forma de
evitar a entrada no crime. Ela não descarta, entretanto, que a redução
da maioridade penal também pode contribuir para esse processo.
"Acredito que é preciso haver estímulo à qualificação
para ajudá-lo a não ficar na ociosidade, mas também defendo a redução da
idade mínima para que sejam penalizados, afinal, hoje em dia, as
pessoas têm cada vez mais entendimento com menor idade. Um adolescente
de 14 anos, por exemplo, tem muito mais acesso às informações sobre as
relações, a violência e as drogas do que há dez anos", disse.
Contrário à medida, o professor da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (USP) Roberto da Silva teme que a redução
da maioridade penal agrave a superlotação de unidades prisionais "já
saturadas" e não tenha impacto positivo na diminuição dos índices de
violência. Para ele, que é representante da USP no Conselho Estadual de
Atendimento Socioeducativo ao Adolescente, a aplicação efetiva de
medidas socieducativas já previstas na legislação brasileira é
suficiente para punir menores infratores.
"Os dados de São Paulo, considerado referência no
assunto por concentrar 40% das pessoas privadas de liberdade no país,
comprovam isso. Entre 2006 e 2013, por exemplo, o índice de reincidência
no sistema de adolescentes baixou de 50% para 14%, com o fortalecimento
da aplicação das medidas socieducativas", disse.
"Além disso, temos que ressaltar que a delinquência
juvenil em São Paulo, quando comparada à de adultos, nunca passou de 13%
do total que chega ao conhecimento da polícia. Diante disso, acredito
que colocar um adolescente precocemente na prisão ou prolongar o tempo
de permanência em uma instituição não vai resolver absolutamente nada e
ainda pode agravar a situação", defendeu, ressaltando que sua opinião é
baseada na experiência de vida e nos diversos estudos que fez sobre o
assunto.
Silva é doutor em educação pela USP, após defender, em
2001, a tese A Eficácia Sociopedagógica da Pena de Privação da
Liberdade. Por determinação do Juizado de Menores, ele passou pela
Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem), depois de ter
chegado a São Paulo ainda adolescente, juntamente com a mãe,
recém-separada, e três irmãos.
Fonte: Terra
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