“Problema se instalou em 2006”
Sucessão de falhas em concursos públicos no Estado pode ter prejudicado mais de meio milhão de candidatos
Foto de divulgação
A sucessão de cancelamentos de concursos públicos nos últimos três anos, em Goiás, tem depreciado a imagem do Estado. Isso porque, atualmente, um certame conta com candidatos de todo Brasil. Nesta premissa, a credibilidade dos institutos que organizam a disputa também fica sob a desconfiança dos concurseiros. Dentro do período foram revogados cerca de 12 seleções, sendo oito deles apenas neste ano (veja quadro), a maioria realizados pela atual gestão do governador Marconi Perillo. Estima-se que meio milhão de candidatos já tenham sido prejudicados num dos concursos anulados.
O certame mais recente foi da Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago), onde 97 mil inscritos terão de refazer a prova, em local e horário a serem definidos. As deficiências das bancas organizadoras dos concursos vão desde erros de produção das provas até equívocos no cartão-resposta.
Em 2011, a Justiça goiana manteve a anulação de quatros concursos realizados pelo Estado, entre eles: Secretaria Estadual de Saúde, Secretaria de Cidadania e Trabalho, Corpo de Bombeiros e Polícia Técnico-Científica. Na época os embargos declaratórios foram interpostos por 14 embargantes, incluindo o Estado de Goiás, sindicatos e os próprios concursados que solicitavam a revisão do certame em pontos não esclarecidos. Essa decisão foi dada, em primeira instância, pelo juiz Ari de Queiroz.
Certames
das polícias
Outros concursos com diversas falhas e que se destacam até o momento em 2013, são das polícias Militar e Civil em Goiás, além do último e mais recente certame da Saneago. Os gabaritos das provas objetivas anuladas dos concursos para as polícias tinham apenas duas sequências de letras, que se repetiam até completar as 100 questões.
Dessa forma, candidatos levaram o caso ao Ministério Público de Goiás (MP-GO) e se manifestaram através das redes sociais, logo após a divulgação do resultado preliminar pela Universidade Estadual de Goiás (UEG), organizadora dos exames. O certame foi realizado no mês de fevereiro.
Na ocasião, a suposta fraude levou a Secretaria Estadual de Gestão e Planejamento (Segplan) cancelar as provas de quatro concursos, atingindo 76.694 candidatos inscritos. Os certames anulados são referentes às ocupações de escrivão e de delegado substituto da Polícia Civil e para cargos de soldado e oficiais da saúde, além de cadete da Polícia Militar.
Segundo participantes do concurso para delegado de polícia em Goiás, para passar bastava decorar duas sequências de letras. Neste contexto, eles informaram pelas redes sociais que a prova tipo A para delegado, por exemplo, tinha uma sequência de letras nas questões de 1 a 10 e outra na de 11 a 20. Em seguida, a mesma ordem se repetia até completar as 100 questões objetivas, num total de cinco sequências cada. As provas B, C e D seguiam os mesmos critérios da A.
Em comunicados no site da instituição, o Núcleo de Seleção da UEG informava sobre o cancelamento das provas objetivas para soldado, oficial de saúde e cadete da PM, além dos exames para escrivão e delegado substituto da PC. A medida foi tomada, segundo a unidade de ensino, “com o objetivo de zelar pela lisura do certame”, acredita.
Saneago
O cancelamento do concurso ocorreu porque enquanto a prova apresentava 60 questões, previstas no edital, o gabarito continha apenas 40 opções de respostas. A organizadora do certame percebeu o erro na véspera das provas e decidiu anular as 20 últimas questões. Dessa forma, os candidatos foram pegos de surpresa, e, logo após, protestaram na porta dos locais de prova, no entanto, eles se organizaram e deram início ao um abaixo-assinado pedindo o cancelamento do concurso.
Sabendo do problema, a Saneago avisou que estavam suspensas apenas as provas para o nível médio e para alguns cargos do nível fundamental. Mas no dia dois do mês passado, a estatal teve que acatar recomendação do MP-GO e anular parcialmente o concurso, realizado em 30 de maio.
Portanto, após uma nova reunião entre o MP-GO e Saneago, ficou decidido o cancelamento total do concurso. Órgão fiscalizador apontou irregularidades e a estatal optou pelo cancelamento total. Ainda não há informações sobre nova prova ou devolução de taxas pagas.
Dentre tantos problemas envolvendo concursos em Goiás, cabe agora ao poder público levar em consideração a lisura e o histórico de instituições idôneas para realizar processos seletivos no Estado.
Neste contexto, à reportagem do Diário da Manhã conversou com advogado e professor de Direito Administrativo e Constitucional, Marcos César Barbosa, sobre os cancelamentos dos diversos concursos realizados em Goiás, nos últimos anos, além dos reflexos causados pela anulação dos certames.
Diário da Manhã: O senhor acredita que a grande onda de cancelamentos de concursos nos últimos três anos, em Goiás, seja intencional?
Professor Marcos César Barbosa: “O Estado de Goiás tem um problema em investir em banca de concurso que seja boa, e isso, é para não gastar mesmo. Afirmar se é intencional, depende muito, porque para falar se é ou não temos que ter uma caracterização concreta, e, isso, nós não temos. Agora quando você tem uma banca menor, naturalmente se tem uma facilidade maior de manipular dados. A palavra intencional é muito forte, mas faz presumir. Foge tanto ao razoável e ao proporcional quanto a segurança.”
DM: Essas anulações de concursos são recentes aqui no Estado?
Professor: “Não é tão recente, mas os concursos a partir do ano de 2010 é uma referência bacana porque é mais recente, três anos, mas se pegarmos de 2006 para cá, porque o problema se instalou, em 2006, com a Aganp, onde o atual governador, para se eleger senador da República, fez um concurso com número de vagas completamente desproporcional. Teve cliente meu que foi nomeado, agora em 2013, com ação judicial.”
DM: Como o senhor avalia o concurso realizado pela Aganp?
Professor: “O concurso da Aganp de 2006 foi o maior escândalo do Estado de Goiás. Tanto é que teve gente nomeada agora, 20 dias atrás. Clientes meus acho que mais de dez. Esse certame tem cerca de oito anos, lembrando que um concurso vale, no máximo, quatro anos. Nessa ocasião, a arrecadação do governo foi de R$ 5.8 milhões, e a banca foi UEG. Infelizmente temos essas questões de fraude mesmo.”
DM: Como o senhor analisa as falhas do último concurso da Saneago?
Professor: Você falou Saneago agora, e tem 3 meses, o último cancelamento. Só que é preciso ressaltar que o penúltimo concurso da Saneago também teve problemas. O Tribunal de Contas de Goiás conseguiu suspender a prova um dia antes da data. Isso porque as provas estavam sendo impressas numa gráfica em Goiânia, em que os funcionários do local estavam usando MSN, celular, e o estabelecimento estava aberto.
DM: Quais bancas seriam em sua opinião mais idôneas?
Professor: “Temos várias de padrões excelentes. Cito algumas: Esaf, Cesp, Fundação Getulio Vargas e Fundação Carlos Chagas. A impressão das provas Cesp, ela é feita a montagem em textinhos, porque a prova é montada de 20 a 40 módulos separados e, em gráficas diferentes, para se juntar tudo isso tem um lacre. Não é proibido apenas o uso das redes sociais, telefones e outros. A própria Polícia Federal põem rastreadores e tudo mais, então tem uma coisa bem requintada no sentido de tecnologia que você pode cercar para que não saia nada errado.”
DM: Houve fraude nos últimos concursos das polícias Militar e Civil?
Professor: “Esse concurso organizado pela UEG teve anulação da prova simplesmente por uma combinação de alternativas que leva a subentender uma fraude. Isso é ridículo, uma coisa é você vender prova, outra coisa é você facilitar de outra forma, outra ainda é você gerar facilidade enorme para a fraude, além de ter a fraude, você facilita, chega a ser ridículo.”
DM: Para o governo anular um concurso é interessante?
Professor: Eu diria para você que para o governo é conveniente, pagar pouco para a banca e receber o dinheiro dos concurseiros.
DM: Em 2011 tivemos quatro concursos anulados. Houve um contrassenso?
Professor: “Foram Secretaria Estadual de Saúde, Secretaria de Cidadania e Trabalho, Corpo de Bombeiros e Polícia Técnico-Científica. Esses concursos foram realizados em regime de urgência. Só que houve contratação em regime de urgência, sem fixação de número de vagas. Como você fala que é urgente contratar bombeiros, policiais, pessoal da saúde e assim por diante e não fixa vaga? Então aí já foi contrassenso.”
DM: Atualmente a vida de concurseiro é fácil?
Professor: “Não mesmo. Eu tenho alunos que vendem coisas na porta do cursinho, porque lá dentro eles não permitem. Assim como têm alunos que o esposo ou esposa vendem sanduíche natural e bombons na porta da escola para pagar o cursinho. Eles estão estudando entre nove e 12 horas por dia, às vezes ate mais. Outros estão desempregados e têm que pagar R$ 60, ou até mais, de inscrição. O mais absurdo é ele ter que pagar para uma banca fazer um procedimento ridículo e não sério, naquela situação específica. Atualmente os concurseiros são profissionais de concursos.”
DM: Os recorrentes cancelamentos de concursos em Goiás depreciam a imagem do Estado?
Professor: “Eu diria que os concursos atualmente não são especificamente do Estado de Goiás. Os concursos hoje são todos nacionais. Aqui em Goiânia, por exemplo, quando tem concurso, ou lá no Maranhão, sempre existe ônibus indo e vindo, não existem concursos para ou de Goiás. Os concursos são nacionais e entenda que não estou falando federais, estou falando nacionais, do Brasil inteiro, o concurseiro profissional de Goiás, ele roda o País todo. Assim, não tenho dúvidas que concursos cancelados depreciam a imagem do Estado.”
DM: Daqui uns dias o Estado vai receber concurseiros de todo País para o certame do Ministério Público de Goiás. O senhor já enxerga indícios de erros?
Professor: “Você não tem noção como está o edital desse concurso. O edital está completamente sugestivo de que esse concurso vai ser anulado também. É um dos editais mais esdrúxulos que vi nos últimos dias. As matérias são as mais estranhas, ele está com a cara idêntica aos outros certames.”
Fonte: Diário da Manha
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