Presidente do Supremo Tribunal Federal foi o orador oficial da cerimônia em Ouro Preto neste domingo (21)
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, foi
o orador oficial da solenidade de entrega da Medalha da Inconfidência e
recebeu a comenda no grau Grande Colar. Em seu pronunciamento na
ocasião, ele celebrou seu retorno a sua terra natal, Minas Gerais.
É um imenso prazer retornar a Minas Gerais, minha terra natal, e
uma grande honra para mim poder participar desta solenidade que rememora
e dignifica o legado de Tiradentes e da luta pela independência de
nosso País. Agradeço ao Excelentíssimo Senhor Governador Antonio
Anastasia pelo prestigioso convite para estar aqui presente, e ter a oportunidade
de prestar homenagem, nesta data histórica, àqueles que lutaram em prol
da liberdade, em época sabidamente sombria, se comparada ao ambiente de
plena liberdade hoje prevalecente no nosso país. A realização dessa
solenidade em Ouro Preto, a antiga Vila Rica, reveste-se de especial
caráter cívico e histórico, uma vez que foi nestas terras altaneiras que
o alferes Joaquim da Silva Xavier lançou os primeiros alicerces do
ideário republicano e, não podemos jamais esquecer, do postulado
fundador da Liberdade.
O dia 21 de abril encerra expressivo simbolismo para Minas Gerais,
na celebração do herói maior, cujos ideais ultrapassam as fronteiras da
vocação libertária de nosso Estado e se expandem para todo o país. O
sacrifício de Tiradentes nos recorda os valores da liberdade,
autogoverno e resistência aos desmandos e arbitrariedades da dominação
colonial.
Nesta data, há 221 anos, os sonhos libertários de Tiradentes de
concretizar uma nação soberana, regida pela liberdade e igualdade, foram
dizimados. Porém, evocando aqui as palavras do saudoso conterrâneo que
me antecedeu no STF, Ministro Oscar Dias Corrêa, “a Inconfidência não
foi esquecida, não perdeu significado, não se desfez no turbilhão do
tempo. E permanece como símbolo da derrota vitoriosa, da injustiça que
glorifica, da rebeldia que domina, da opressão que liberta, da vilania
que enobrece, do mais alto e sublime paradoxo – da morte que dá a
vida.”
E foi a morte de Tiradentes que deu a vida ao sentimento de
nacionalidade brasileira, em que as ideias de liberdade, igualdade e
justiça passaram a florescer nas Gerais e se espalharam por toda a
nação. Do martírio, fez-se o mito de Tiradentes, no qual a liberdade
inebria o espírito mineiro, batalhador, que, na sua noção de honra, de
bravura e de defesa dos ideais republicanos, não se harmoniza com a
opressão política nem com a exploração econômica. Naqueles tempos idos
de 1792, nos projetos do levante para a instauração da república,
insistia Tiradentes no fim da escravidão, na realização de eleições
diretas para presidente e na industrialização para promover o progresso
econômico.
A liberdade vislumbrada e desejada por Tiradentes, mesmo que
tardia, deu frutos e é hoje assegurada pela Constituição Federal de
1988, que consagrou o estado democrático de direito e fortaleceu as
instituições republicanas brasileiras. Mais que isso: liberdade e
igualdade, dois dos pilares da nossa organização sócio-política, são
hoje os fatores-chave que nos colocam entre as mais sólidas democracias
do hemisfério ocidental.
Direito inalienável, a liberdade é normalmente assimilada ao
pensamento segundo o qual, em princípio, o Estado ou o semelhante devem
abster-se de se imiscuir na esfera de deliberação própria do indivíduo.
Nossa atual ordem político-jurídica é baseada nesse valoroso
princípio, mas isso não quer dizer que repudiamos outros princípios
igualmente valorosos, como é o caso do princípio da igualdade, princípio
esse que, entre as suas inúmeras facetas, consagra a ideia de que todos
os seres humanos merecem ser tratados com a mesma consideração, seja da
parte dos poderes públicas, seja do particular.
É a consagração desse último princípio que impõe ao Estado o dever
de garantir a igualdade de todos, sobretudo mediante políticas públicas
voltadas a conferir direitos e a outorgar proteção àqueles que
eventualmente se encontrem em situação de vulnerabilidade. Vem de
Aristóteles e entre nós de Rui e do STF o entendimento de que o
princípio da igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam.
No Brasil contemporâneo, há progressos recentes na promoção do
ideário de igualdade de Tiradentes, como é o caso do reconhecimento da
desigualdade e da exclusão social histórica de que foi vítima um
segmento-chave da comunhão nacional, os negros, fato que levou o nosso
STF a chancelar as políticas de ações afirmativas para grupos sociais
hipossuficientes em universidades públicas. Mas todos sabemos que
muito ainda há de ser feito para que tenhamos pelo menos uma aceitável
igualdade de oportunidades para todos os nossos concidadãos.
Nesse sentido, a Justiça, sempre presente nos ideais republicanos,
une-se aos princípios da liberdade e da igualdade como valores supremos
da nossa sociedade, cuja observância é imperativa. Como já expressei em
outras ocasiões, a justiça por si só, e só para si, não existe. Ela é
indissociável da igualdade de direitos e igualdade entre cidadãos,
existindo como expressão cultural e jurídica da sociedade. A justiça
materializa-se por meio de leis que sejam igualitárias, justas e que
promovam a harmonia e o respeito entre todos aos cidadãos, além de
incutir nos cidadãos a noção acerca do indeclinável dever de observância
e respeito pelas instituições democráticas.
Tal como Tiradentes, inúmeros mineiros desbravaram caminhos que
levaram à construção da nossa República, tornando o Brasil um lugar
melhor para os que aqui vivem. São tantas as personalidades que não
caberia, nessa breve alocução, aqui nominar, sem o risco de cometer
injustiça a tantos outros cidadãos de grande valor que contribuíram com
o brio e a força Da estirpe mineira para a construção de uma nação cada
vez mais livre e mais justa. Na verdade, na construção do nosso país,
além dos grandes líderes republicanos, são partícipes todos os cidadãos
brasileiros, principalmente aqueles que, em ocupações modestas,
contribuem diariamente para o engrandecimento da nossa nação. Afinal, o
poder do Estado emana do povo e a este o Estado deve responder, com a
obrigação de prover melhores condições de vida, oportunidades de
engajamento político, e de exercício da cidadania para todos.
Dessa forma, a alma da República, a força que movimenta e traz
prosperidade aos que têm o Brasil como sua pátria, chama todos a
contribuir com suas ações para o bem comum. Nesse sentido, o simbolismo
do legado republicano de Tiradentes é hoje avivado com a entrega da
Medalha da Inconfidência, que homenageia os mineiros e mineiras que, na
atualidade, prestam serviços de relevante interesse público para Minas
Gerais e para o Brasil, e que continuam, dentre os mais diversos setores
da sociedade, a construir o ideal de liberdade dos Inconfidentes.
Finalizo estas breves palavras com a sábia exortação do Ministro
José Paulo Sepúlveda Pertence – mineiro de Sabará – que, lembrando o
Romanceiro da Inconfidência, conclama que é a “imagem imorredoura” de
Tiradentes “que se há de invocar, sempre que for preciso gritar por
‘liberdade — essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há
ninguém que explique e ninguém que não entenda.’”
Muito obrigado a todos.
Fonte: Agencia Minas
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